Conheça João Arruda, o pernambucano aceito em Harvard!
À primeira vista, João tinha todos os motivos para não insistir na candidatura de uma universidade no exterior. Estudou por muito tempo em uma pequena escola do município de Camaragibe, se esforçou para aprender inglês sozinho e não tinha dinheiro para arcar com os custos do processo de seleção, muito menos com as altas mensalidades de uma universidade nos EUA. Bastou uma pequena oportunidade para o jovem brilhante da região metropolitana do Recife sonhar grande e entrar na universidade dos sonhos de quase todos os americanos.
Filho de um taxista e uma professora da rede pública, João viu no final do seu ensino fundamental, ainda no 9º ano, a possibilidade de estudar para entrar em uma instituição pública de ensino em Recife, onde teria mais oportunidades. Em 2017, ele passou no concurso do Colégio Militar do Recife, onde ingressou no ensino médio. A partir dali, sua história ganhou novos rumos que jamais imaginaria. Na escola, passou a se destacar pelo bom desempenho nas notas e pelo bom engajamento em atividades extracurriculares, onde misturava diversas áreas do conhecimento – fazia parte do grêmio de infantaria, do clube de jornalismo e também de relações internacionais, além de, paralelamente, fazer parte de uma pesquisa com células tronco na Universidade Federal de Pernambuco.
Foi durante o seu segundo ano, que começou a vislumbrar mais de perto a possibilidade de estudar fora. “Sempre tive isso como um sonho, mas um sonho distante. Foi somente no ensino médio, especificamente no Colégio Militar que eu conheci pessoas que me mostraram que não era tão impossível assim”, conta. Na época, o estudante foi selecionado para representar o colégio na Harvard Model United Nation, em Boston, quando teve o seu primeiro contato com a universidade, para além dos filmes e séries.
“Foi lá que eu descobri que era possível estudar fora e no final do segundo ano eu decidi que era exatamente isso que eu queria, e comecei a correr atrás de mentorias.”
Em 2020, João participou do Oportunidades Acadêmicas, um programa do Departamento de Estado dos EUA que apoia estudantes academicamente qualificados, mas sem condições financeiras, no processo de candidatura para programas de Graduação, sendo o objetivo final que consigam admissões com bolsas de estudos em universidades nos Estados Unidos.
Dedicação e foco foram essenciais no processo de candidatura, mas no final, todo o esforço valeu a pena quando foi aceito em uma das melhores universidades do mundo Harvard.
Confira um pouco da sua entrevista:
Como surgiu o sonho de estudar fora?
Sempre tive isso como um sonho, mas um sonho distante. Assistia às séries e filmes e ficava pensando como deveria ser legal estudar fora! Foi somente no ensino médio, que eu conheci pessoas que me mostraram que não era tão impossível assim. No final do segundo ano eu decidi que era exatamente isso que eu queria, e comecei a correr atrás de mentorias.
Foi nessa corrida que eu encontrei o Oportunidades Acadêmicas, foi o único programa que eu me inscrevi. Lembro que, enquanto esperava o resultado, pensei: “Esse resultado vai definir o que eu vou fazer no meu terceiro ano! Vai definir se eu vou focar no vestibular, como os meus amigos, ou se é possível seguir um caminho completamente diferente e arriscar no application!” E felizmente eu passei por todas as fases e entrei para o Oportunidades Acadêmicas.
O que mudou na sua rotina no processo de candidatura?
Entrei no programa no início deste ano e ainda conciliava minha rotina com um cursinho pré-vestibular onde eu tinha bolsa. Apesar da ideia de tentar conciliar os dois, vestibular e application, vi que estava colocando muita pressão em mim mesmo, não estava conseguindo acompanhar meus colegas que estavam estudando 8 horas por dia estudando para o Enem e vestibular. Foi aí que eu falei com meus pais e decidi sair do cursinho, seguindo o meu sonho. Acho que se eu tivesse no colégio presencialmente eu não teria tomado essa decisão tão abrupta, investindo tudo no application.
“Mas entrar no Oportunidades Acadêmicas me fez realmente decidir que eu ainda tinha um plano B, mas que ele podia esperar, sabe? Que eu tinha que focar muito mais no meu plano A, a candidatura.”
Como Harvard foi parar na sua college list?
Quando eu apliquei para o Oportunidades Acadêmicas eu não tinha noção do tamanho do programa, quando fui selecionado eu fiquei muito feliz e eles me deram um grande apoio na hora de montar o college list! Eu tive que fazer muita pesquisa para montar a minha lista mas Harvard sempre estava ali, porque desde cedo a gente sempre ouve falar. Mas além disso, eu também tive a oportunidade de conhecer Harvard através de uma oportunidade no meu colégio, onde todos os anos um aluno do clube de relações internacionais é selecionado para representar o colégio na a Harvard Model United Nation. Eu sempre sonhei em sair do país, mas nunca foi uma realidade por conta das questões financeiras.
“Foi durante essa viagem que a gente conheceu a universidade! Desde início eu fiquei pasmo com a magnitude da universidade, ver o campus, as pessoas, a estátua de John Harvard, a biblioteca… mas não foi só a visita. O que realmente me impressionou foi que quando chegamos lá, fomos recepcionados por um ex-aluno do colégio militar que, apesar de não ser da minha cidade, era alguém do mesmo sistema, que teve as mesmas oportunidades que eu. Na época eu estava pensando se eu queria mesmo aplicar e acho que foi nessa hora que eu, realmente, falei: “É Harvard, tem que ser Harvard!”.”
Por que você acredita que foi aceito para Harvard?
Sendo bem sincero, eu não sei! Até hoje eu tenho o receio de entrar no portal e ver que foi engano! [risadas] Mas acredito que me destaquei na área das essays. De modo geral, tentei mostrar muito que eu tinha uma formação em uma série de áreas diferentes, que minhas extracurriculares eram muito diversas entre si. Eu tinha desde de participação em simulações da ONU, até pesquisa com células tronco na UFPE e, do lado, ainda tinha o grêmio de infantaria, por exemplo. Ou seja, política, uma área de biologia e uma área militar – o que é que tinha a ver uma coisa com a outra?
Eu tentei deixar bem claro nas essays como elas se relacionavam entre si. No grêmio de infantaria eu relacionei com o que eu queria seguir no futuro, uma carreira diplomática ou uma carreira política. E como, através do exército brasileiro, e do grêmio de infantaria eu aprendi a honrar minha nação e querer contribuir com a melhora dela.
Em outro momento, participei do Parlamento Jovem Brasileiro no qual, para participar, você precisa escrever um projeto de lei. O meu projeto de lei foi para facilitar a implantação de placas solares em regiões remotas do Brasil. Eu não nasci no interior pernambucano, mas eu os meus avós são de lá e eu cresci vendo muito aquilo. No interior de Surubim, havia casas que não tinham energia e era preciso acender o candeeiro. As únicas casas que tinham energia elétrica eram as que tinham placas solares e foi nisso que eu pensei na hora de escrever o meu projeto de lei. E eu falei na essay de como viver essa experiência e ver que a minha comunidade não tinha acesso a uma coisa tão básica como energia elétrica, havia me inspirado a decidir que era aquilo que eu queria para a minha vida. Era seguir o caminho da política, voltada a assistência para as comunidades mais pobres.
“Talvez o que fez Harvard me selecionar foi o fato de eu ter trazido todas as minhas experiências, e não apenas listar todas elas, tentando relacioná-las com as minhas extracurriculares, mostrando que eu tenho um background muito diferente e que eu traria a diversidade pro campus que eles procuram.”
Qual foi o maior desafio do processo?
Sem dúvida, o maior desafio foram as essays! Ao longo do processo eu tive duas experiências: algumas com uma ideia muito boa, porém mal executadas e outras que foram muito bem escritas, mas com um conteúdo não tão criativo. Acho que, em relação às outras pessoas do programa, eu demorei um pouco para entender direito como funcionava as redações. Eu sempre lia e na hora eu pensava “Nossa, isso aqui tá incrível!” e, no dia seguinte, o oposto: “Nossa, tá horrível, apaga tudo!”. Foi um processo gigante, a gente começou a escrever as essays muito cedo, ainda em março, e eu fiz pelo menos 10 rascunhos até chegar no meu personal statement final, por exemplo.
Que dica você daria a outras pessoas que têm o sonho de estudar fora?
A primeira coisa que você tem que colocar na sua cabeça é que apesar da realidade que você vive porque, de fato, o nosso país é um país muito desigual, você não pode desistir sem antes tentar. Isso é uma coisa que eu sempre coloquei na minha cabeça e que eu sempre falei para mim mesmo! E não falo só questão financeira, mas também uma questão de suporte. Às vezes eu me via sem suporte familiar, dos meus pais, que até pelo background deles eles tem essa tendência de não pensar tão longe. Quando você vive uma vida muito difícil você desenvolve essa mentalidade, infelizmente, de que tem coisas que a gente não pode ter, ou alcançar. Tinha vezes que eu me sentia sozinho e realmente tinha que me posicionar por mim mesmo.
“A gente não pode desistir, independente das adversidades, mas, ao mesmo tempo, o mundo não é um mundo de ideias e as coisas podem dar errado. Então, é importante ter em mente que se der errado, tudo bem. Acho que as pessoas não podem ter medo de tentar e, principalmente, não podem ter medo de falhar.”
A vida é feita de erros e acertos e uma coisa que carrego comigo é que quando algo dá errado, isso não significa que você foi rejeitado, mas que você foi redirecionado.
Como você se vê daqui a 10 anos?
Gostaria de estar numa Graduate School, talvez na Harvard Law, quem sabe! Mas acima de tudo eu gostaria de estar num lugar onde eu estou satisfeito com a minha carreira, conseguindo fazer o meu sonho, que é ajudar as pessoas, estando feliz com as minhas paixões. Para mim, ter sucesso é poder olhar para o passado e ter orgulho do que você fez; olhar para o futuro ansioso pelo que você ainda vai fazer, e olhar para o presente e se sentir satisfeito e grato com aquilo que você está fazendo e vivendo. Então, seja no Brasil ou nos EUA, eu espero estar nesse lugar onde eu possa olhar para trás e pensar que tudo valeu a pena.